16.2.07

Eu, etiqueta...


Em minha calça está grudado um nome
/que não é meu de batismo ou de cartório,
/um nome... estranho. /
Meu blusão traz lembrete de bebida /
que jamais pus na boca, nesta vida. /Em minha camiseta, a marca de cigarro
/que não fumo, até hoje não fumei. /
Minhas meias falam de produto /
que nunca experimentei /
mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido /de alguma coisa não provada
/por este provador de idade.
/Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
/minha gravata e cinto e escova e pente, /meu copo, minha xícara, /minha toalha de banho e sabonete,
/meu isso, meu aquilo,
/desde a cabeça até o bico dos sapatos,
/são mensagens,
/letras falantes,
/gritos visuais, /
ordem de uso,
abuso, reincidência, /
costume, hábito, premência, /
indispensabilidade, /
e fazem de mim homem-anúncio itinerante, /
escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda. /
É doce estar na moda, ainda que a moda /
seja negar minha identidade, /
trocá-la por mil, açambarcando /
todas as marcas registradas, /
todos os logotipos de mercado.
Com que inocência demito-me de ser
/eu que antes era e me sabia /tão diverso de outros, tão mim-mesmo, /ser pensante, sentinte e solitário /com outros seres diversos e conscientes /de sua humana invencível condição.;

Agora sou anúncio, /ora vulgar, ora bizarro, /em língua nacional ou em qualquer língua /(qualquer, principalmente). /E nisto me comprazo, tiro glória /de minha anulação. /Não sou - vê lá - anúncio contratado. /Eu é que mimosamente pago /para anunciar, para vender /em bares festas praias pérgulas piscinas, /e bem à vista exibo esta etiqueta /global no corpo que desiste /de ser veste e sandália de uma essência /tão viva, independente, /que moda ou suborno algum compromete.;

Onde terei jogado fora /meu gosto e capacidade de escolher, /minhas idiossincrasias tão pessoais, /tão minhas que no rosto se espelhavam, /e cada gesto, cada olhar, /cada vinco de roupa /resumia uma estética? /Hoje sou costurado, sou tecido, /sou gravado de forma universal, /asio de estamparia, não de casa, /da vitrine me tiram, me recolocam, /objeto pulsante mas objeto /que se oferece como signo dos outros /objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso /de ser não eu, mas artigo industrial, /peço que meu nome retifiquem. /Já não me convém o título de homem, /meu nome novo é coisa. /Eu sou a coisa, coisamente.;


Drumond de Andrade

Tarde,Te amei


Tarde te amei, Beleza antiga e tão nova,tarde te amei...

.Estavas dentro de mim e eu estava fora...

Estavas comigo e eu não estava contigo......

Tu chamaste-me, gritaste,e venceste a minha surdez.

Tu mostraste a tua luz e a tua claridade expulsou a minha cegueira.

Tu espalhaste o teu perfume, eu respirei-o

E suspiro por ti.

Eu saboreei-te,tenho fome e sede de ti

Tu tocaste-me

E eu queimo do desejo da tua paz.


Santo Agostinho

6.2.07

À Virgem Santissima



Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia.
Num sonho todo feito de incerteza,
De noturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade

E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,

Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só ternura
E da paz da nossa hora derradeira...

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa...
E deixa-me sonhar a vida inteira!

Antero de Quental

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA