27.12.10

Viver na Beira-Mar

Malhoa
Viver na Beira-Mar

Nunca o mar foi tão ávido
quanto a minha boca. Era eu
quem o bebia. Quando o mar
no horizonte desaparecia e a areia férvida
não tinha fim sob as passadas,
e o caos se harmonizava enfim
com a ordem, eu
havia convulsamente
e tão serena bebido o mar.

Fiama Hasse Pais Brandão, in "Três Rostos - Ecos"

NATAL


NATAL

Nem pareces o mesmo
Exposto
Num presépio de gesso!
E nunca foi tão santa no teu rosto
Esta paz que me dás e não mereço.
É fingida também a neve
Que te gela a nudez.
Mas gosto dela assim,
A ser tão branca em mim
Pela primeira vez.
Miguel Torga

20.12.10

Era uma vez,lá na Judeia

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

(Miguel Torga)

15.12.10

PORTUGAL

Mosteiro da Batalha

Maior do que nós, simples mortais, este gigante
foi da glória dum povo o semideus radiante.
Cavaleiro e pastor, lavrador e soldado,
seu torrão dilatou, inóspito montado,
numa pátria...

E que pátria! A mais formosa e linda
que ondas do mar e luz do luar viram ainda!


Campos claros de milho moço e trigo loiro;
hortas a rir; vergéis noivando em frutos de oiro;
trilos de rouxinóis; revoadas de andorinhas;
nos vinhedos, pombais: nos montes, ermidinhas;
gados nédios; colinas brancas olorosas;
cheiro de sol, cheiro de mel, cheiro de rosas;
selvas fundas, nevados píncaros, outeiros
de olivais; por nogais, frautas de pegureiros;
rios, noras gemendo, azenhas nas levadas;
eiras de sonho, grutas de génios e de fadas:
riso, abundância, amor, concórdia, Juventude:
e entre a harmonia virgiliana um povo rude,
um povo montanhês e heróico à beira-mar,
sob a graça de Deus a cantar e a lavrar!


Pátria feita lavrando e batalhando: aldeias
conchegadinhas sempre ao torreão de ameias.
Cada vila um castelo. As cidades defesas
por muralhas, bastiões, barbacãs, fortalezas;
e, a dar fé, a dar vigor, a dar o alento,
grimpas de catedrais, zimbórios de convento,
campanários de igreja humilde, erguendo à luz,
num abraço infinito, os dois braços da cruz!


E ele, o herói imortal duma empresa tamanha,
em seu tuguriozinho alegre na montanha
simples vivia – paz grandiosa, augusta e mansa! -,
sob o burel o arnês, junto do arado a lança.
Ao pálido esplendor do ocaso na arribana,
di-lo-íeis, sentado à porta da choupana,
ermitão misterioso, extático vidente,
olhos no mar, a olhar sonambolicamente...


«Águas sem fim! Ondas sem fim! Que mundos novos
de estranhas plantas e animais, de estranhos povos,
ilhas verdes além... para além dessa bruma,
diademadas de aurora, embaladas de espuma!
Oh, quem fora, através de ventos e procelas,
numa barca ligeira, ao vento abrindo as velas,
a demandar as ilhas de oiro fulgurantes,
onde sonham anões, onde vivem gigantes,
onde há topázios e esmeraldas a granel,
noites de Olimpo e beijos de âmbar e de mel!»


E cismava, e cismava... As nuvens eram frotas,
navegando em silêncio a paragens ignotas...
– «Ir com elas...Fugir...Fugir!...» Ûa manhã,
louco, machado em punho, a golpes de titã,
abateu, impiedoso, o roble familiar,
há mil anos guardando o colmo do seu lar.
Fez do tronco num dia uma barca veleira,
um anjo à proa, a cruz de Cristo na bandeira...
Manhã de heróis... levantou ferro... e, visionário,
sobre as águas de Deus foi cumprir seu fadário.


Multidões acudindo ululavam de espanto.
Velhos de barbas centenárias, rosto em pranto,
braços hirtos de dor, chamavam-no... Jamais!
Não voltaria mais! Oh! Jamais! Nunca mais!
E a barquinha, galgando a vastidão imensa,
ia como encantada e levada suspensa
para a quimera astral, a músicas de Orfeus:
o seu rumo era a luz; seu piloto era Deus!


Anos depois, volvia à mesma praia enfim
uma galera de oiro e ébano e marfim,
atulhando, a estoirar, o profundo porão
diamantes de Golconda e rubins de Ceilão!

Pátria de Guerra Junqueiro



8.12.10

Dia das Crianças

SsSsSsSsS

Toda criança tem que brincar

tem que sorrir
tem que cantar
Toda criança tem que estudar
tem que crescer
tem o que falar
Criança é uma pessoa amigável
que não se cansa
de ser feliz.

Renata Martins Pavesi Gonçalves

SsSsSsSsS

7.12.10

Não Fora o Mar!


Não fora o mar,
e eu seria feliz na minha rua,
neste primeiro andar da minha casa
a ver, de dia, o sol, de noite a lua,
calada, quieta, sem um golpe de asa.

Não fora o mar,
e seriam contados os meus passos,
tantos para viver, para morrer,
tantos os movimentos dos meus braços,
pequena angústia, pequeno prazer.

Não fora o mar,
e os seus sonhos seriam sem violência
como irisadas bolas de sabão,
efémero cristal, branca aparência,
e o resto — pingos de água em minha mão.

Não fora o mar,
e este cruel desejo de aventura
seria vaga música ao sol pôr
nem sequer brasa viva, queimadura,
pouco mais que o perfume duma flor.

Não fora o mar
e o longo apelo, o canto da sereia,
apenas ilusão, miragem,
breve canção, passo breve na areia,
desejo balbuciante de viagem.

Não fora o mar
e, resignada, em vez de olhar os astros
tudo o que é alto, inacessível, fundo,
cimos, castelos, torres, nuvens, mastros,
iria de olhos baixos pelo mundo.

Não fora o mar
e o meu canto seria flor e mel,
asa de borboleta, rouxinol,
e não rude halali, garra cruel,
Águia Real que desafia o sol.

Não fora o mar
e este potro selvagem, sem arção,
crinas ao vento, com arreio,
meu altivo, indomável coração,

Não fora o mar
e comeria à mão,
não fora o mar
e aceitaria o freio.

Fernanda de Castro, in "Trinta e Nove Poemas"

MAR PORTUGUÊS

MAR PORTUGUÊS

GostarÍamos de dedicar este poema a todos os marinheiros da Barca Sagres, do presente e do passado, que arriscaram as suas vidas honrando a nossa cultura portuguesa por todo o mundo.

Nus mutu gabadu
.

Nus kerey fazeh isti poema fika ungwa dadikasang kum tudu marinyeru di Sagres tempu agora kum fazeh ungwa lembranse di marineru antigu keng ja tomah tantu risku di olutu se bida kauzu ja spalah nus se kultura Portuguese didador ne tudu mundu.

We would like to dedicate this poem to the present sailors of the N.R.P. Sagres and also to all the sailors of the past who risked their lives to spread and honour our Portuguese culture around the world.

MAR PORTUGUÊS

Mar salgado, quanto do teu sal
Mar salgadu, kai kuantu di bos se sal

São lágrimas de Portugal!
Se largri di Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Treversah kum bos, kuantu mai ja chura

Quantos filhos em vão rezaram!
Kuantu fila filu ja reza seng per nada

Quantas noivas ficaram por casar
Kuantu noiba fikah nungka kazah

Para que fosses nosso, ó mar!
O mar fika nus se mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Teng se balor? Tudu teng balor

Se a alma não é pequena.
Si alma ngka keninu

Quem quer passar além do Bojador
Keng kerey passa rentu ne Bojador

Tem que passar além da dor.
Mesti tokar passa kum tantu sufra.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Dios ja dah mar eli se perigu kum se fundezu.

Mas nele é que espelhou o céu
Mas ne eli te speladu ungwa seo.

Poema de Fernando Pessoa

Publicado no Jornal Papiá Português de Malaca.Ver AQUI p. f.

6.12.10

O sol do outono


O sol do outono, as folhas a cair,
A minha voz baixinho soluçando,
Os meus olhos, em lágrimas, beijando
A terra, e o meu espirito a sorrir...

Eis como a minha vida vai passando
Em frente ao seu fantasma... E fico a ouvir
Silêncios da minh'alma e o resurgir
De mortos que me foram sepultando...

E fico mudo, estático, parado
E quase sem sentidos, mergulhando
Na minha viva e funda intimidade...

Só a longinqua estrela em mim actua...
Sou rocha harmoniosa á luz da lua,
Petreficada esfinge de saudade...

Teixeira de Pascoaes

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA