30.11.08

Nuvens correndo num rio


Nuvens correndo num rio
 Quem sabe onde vão parar?
 Fantasma do meu navio
 Não corras, vai devagar!

  Vais por caminhos de bruma
 Que são caminhos de olvido. 
Não queiras, ó meu navio, 
Ser um navio perdido. 


 Sonhos içados ao vento 
Querem estrelas varejar!
 Velas do meu pensamento
 Aonde me quereis levar? 
 Não corras, ó meu navio Navega mais devagar,
 Que nuvens correndo em rio, 
Quem sabe onde vão parar? 

 Que este destino em que venho
 É uma troça tão triste; 
Um navio que não tenho 
Num rio que não existe.                      

  Natália Correia  

16.11.08

O menino de sua mãe





No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece

Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece")
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.

Fernando Pessoa

1.5.08

Ao meu Pai


Do alto da tua torre de menagem
chora Olivença
Quando te afaga cálida aragem,
,chora Olivença,

Nas ruas igrejas,à portuguesa rendilhadas,
chora Olivença
nas belas casa armoreadas chora Olivença
Sobre os louros trigais
chora Olivença
Porque quem muito te amou não existe mais

Maria Botelho

5.4.08




Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como os outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alba
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam,
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alterava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.

Edgar Allan Poe

20.2.08

de Augusto Gil


O PASSEIO DE SANTO ANTÓNIO




  • Saíra Santo António do convento
    a dar o seu passeio costumado
    e a decorar num tom rezado e lento
    um cândido sermão sobre o pecado.
    Andando,andando sempre, repetia
    o divino sermão piedoso e brando
    e nem notou que a tarde esmorecia,
    que vinha a noite plácida baixando...
    ................................................................
    O luar, um luar claríssimo nasceu.
    Num raio dessa linda claridade,
    o Menino Jesus baixou do céu,
    ...............................................................
    Perto, uma bica de água murmurante
    juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
    Os rouxinóis ouviam-se distante.
    O luar, mais alto, iluminava mais.
    De braço dado para a fonte vinha
    um par de noivos todo satisfeito.
    Ela trazia ao ombro a cantarinha,
    ele trazia o coração no peito !
    Sem suspeitarem de que alguém os visse,
    trocaram beijos, ao luar tranquilo.
    O Menino, porém, ouviu e disse:
    _ Ó Frei António, o que foi aquilo?
    O Santo, erguendo a manga do burel
    para tapar o noivo e a namorada,
    mentiu com a voz doce como omel:
    _ Não sei que fosse.Eu cá não ouvi nada...
    Uma risada límpida e sonora
    vibrou, em notas de oiro pelo caminho.
    _ Ouviste ,Frei António ? Ouviste agora?
    _Ouvi,Senhor,ouvi.É um passarinho...
    _ Tu não estás com a cabeça boa!
    Um passarinho a cantar assim?
    E o pobre Santo António de Lisboa
    calou~se, embaraçado, mas por fim.
    corado, como as vestes dos cardeais,
    achou esta saída redentora :
    Se o Menino Jesus pergunta mais,
    queixo-me a sua Mãe, Nossa Senhora
    .

(Imagem protectora do Regimento de Infantaria n.º 19, que tinha o seu quartel em Cascais desde meados do século XVII. A imagem do santo acompanhou o regimento de Cascais durante as campanhas da Guerra Peninsular, sendo por isso que ostenta ao peito a medalha da Guerra Peninsular. Santo António tinha o posto de tenente-coronel no regimento, servindo o seu soldo para ajuda aos soldados doentes. A festa do Santo comemora-se em 13 de Junho. - no Portal da História - )

9.2.08



O TEU OLHAR


Quando fito o teu olhar,
Duma tristeza fatal,
Dum tão íntimo sonhar,
Penso logo no luar
Bendito de Portugal!


O mesmo tom de tristeza,
O mesmo vago sonhar,
Que me traz a alma presa
Às festas da Natureza
E à doce luz desse olhar!


Se algum dia, por meu mal,
A doce luz me faltar
Desse teu olhar ideal,
Não se esqueça Portugal
De dizer ao seu luar


Que à noite, me vá depor
Na campa em que eu dormitar,
Essa tristeza, essa dor,
Essa amargura, esse amor,
Que eu lia no teu olhar!
Florbela Espanca

5.2.08

Entre mochos...


Entre mochos e oboés
de sons desarticulados
errei até ser dia,
com passos mal andados...
na planície gelada
...que frio fazia...
naquela madrugada...

MJB

4.2.08

Natureza


Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...




Fernando Pessoa

2.2.08

Árvores do Alentejo

Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:---
Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA