8.11.10

O que é bonito




O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...



(Miguel Torga)

1.11.10

Lucidez perigosa

Estou sentindo uma clareza tão grande
        que me anula como pessoa atual e comum:
        é uma lucidez vazia, como explicar?
        assim como um cálculo matemático perfeito
        do qual, no entanto, não se precise.

        Estou por assim dizer
        vendo claramente o vazio.
        E nem entendo aquilo que entendo:
        pois estou infinitamente maior que eu mesma,
        e não me alcanço.
        Além do que:
        que faço dessa lucidez?
        Sei também que esta minha lucidez
        pode-se tornar o inferno humano
        - já me aconteceu antes.

        Pois sei que
        - em termos de nossa diária
        e permanente acomodação
        resignada à irrealidade -
        essa clareza de realidade
        é um risco.

        Apagai, pois, minha flama, Deus,
        porque ela não me serve
        para viver os dias.
        Ajudai-me a de novo consistir
        dos modos possíveis.
        Eu consisto,
        eu consisto,
        amém.

        Clarice Lispector

Faz-se luz


Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

Mário Cesariny, in "Pena Capital"

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA