24.2.11

Meditação Anciã




Aqui eu fui feliz aqui fui terra
aqui fui tudo quanto em mim se encerra
aqui me senti bem aqui o vento veio
aqui gostei de gente e tive mãe
em cada árvore e até em cada folha
aqui enchi o peito e mesmo até desfeito
eu fui aquele que da vida vil se orgulha
Aqui fiquei em tudo aquilo em que passei
um avião um riso uns olhos uma luz
eu fui aqui aquilo tudo até a que me opus



Ruy Belo
Toda a Terra

18.2.11

Lírio roxo


Viajei por toda a Terra
desde o norte até ao sul;
em toda a parte do mundo
vi mar verde e céu azul.
..............................
Em toda a parte vi flores
romperem do pó do chão
universais, como as dores
do mundo
que em toda a parte se dão
Vi sempre estrelas serenas
e as ondas morrendo em espuma
Todo o Sol um Sol apenas,
E a Lua sempre só uma.
Diferente de quanto existe
só a dor que me reparte.
Enquanto em mim morro triste,
Nasço alegre em toda a parte.
António Gedeão

17.2.11

Pedras da calçada


Paulo Gonzo

Composição: letra de Jorge Palma / música de Paulo Gonzo e Luís Oliveira

O suspeito foi calado
Não tendo as provas na mão
Não sabemos por que fado
Estando longe dele, então

Não teve companhia,
E nem reclamar ninguém,
Não chegou a ser refém,
Esteve ausente por um dia.

É nas pedras da calçada,
Que a canção nos sai melhor,
É nas pedras da calçada,
Que o desejo abafa a dor

Ofereceste-me uma rosa,
Quanto vale ao fim da vida?
Vale a voz silenciosa,
Vale a testa adormecida.

É nas pedras da calçada,
Que a canção nos sai melhor,
É nas pedras da calçada,
Que o desejo abafa a dor.

15.2.11

Soluço à vista de Olivença

Alentejo!
Minha Terra total! Meu Portugal aberto
Eternamente incerto
Nas fronteiras,no tempo e nas canseiras

Sombras desfeitas
Praças fortificadas

Minhas insatisfeitas correrias
A contar no franzido das lavradas

As rugas tatuadas
No rosto dos meus dias!

Miguel Torga

Juromenha,4 de Outubro de 1976

Diário XII-Pag.160

13.2.11

Da Oração



Doce quietação de quem vos ama,
Em serviços, Senhor, que tanto quanto
Amado sois, tão longe o fim de tanto,
Subindo mais, e mais, mais se derrama:

Ardendo por arder em viva chama
De amor do vosso amor, a voz levanto;
Sinto, suspiro, choro, colho, e planto
Ao som doutra suave que me chama.

Onde se vai, Senhor, quem vos ofende?
Donde levais, Deus meu, a quem vos segue?
Onde fugir se pode uma de duas?

Morto por quem o mata que pretende,
Ou que extremos de amor há que nos negue
Quem culpas nossas chama ofensas suas?


Frei Agostinho da Cruz

(1540-1619)

9.2.11

Noitinha


A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou...

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora.
A noite, os olhos brandos, lhes fechou...

Fumo beijando o colmo dos casais...
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...

Tranquilidade... calma... anoitecer...
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor

8.2.11

CREPUSCULAR


Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, dais comprimidos...
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.

As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados.

Sentem-se espasmos, agonias dave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas...
--- Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.

As tuas mãos tão brancas danemia...
Os teus olhos tão meigos de tristeza...
--- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.

CAMILO PESSANHA

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA