24.7.09

Lua de Londres


É noite:o astro saudoso

rompe a custo um plúmbeo céu

Tolda-lhe o rosto formoso
Alvacento, húmido véu.
Traz perdida a cor de prata,
Nas águas não se retrata,
Não beija no campo a flor;
Não traz cotejo de estrelas,
Não fala de amor às belas,
Não fala aos homens de amor.

Meiga lua, os teus segredos
Onde os deixaste ficar?
Deixaste-os nos arvoredos
Das praias d'além do mar?
Foi na terra tua amada
Nessa terra tão banhada
Por teu límpido clarão?
Foi na terra dos verdores,
Na pátria dos meus amores
Pátria de meu coração?

Oh que foi! Deixaste o brilho
Nos montes de Portugal,
Lá onde nasce o tomilho,
Onde há fontes de cristal;
Lá onde viceja a rosa,
Onde a leve mariposa,
Se espaneja à luz do sol;
Lá onde Deus concedera
Que em noite de primavera
Se escutasse o rouxinol.

Tu vens ó lua, tu deixas
Talvez há pouco o país
Onde do bosque as madeixas
Já têm um flóreo matiz:
Amaste do ar a doçura,
Do azul céu a formosura,
Das águas o suspirar!
Como hás de agora entre gelos
Dardejar teus raios belos,
Fumo e névoa aqui amar?

Quem viu as margens do Lima,
Do Mondego os salgueirais,
Quem andou por Tejo acima,
Por cima dos seus cristais;
Quem foi ao meu pátrio Douro,
Sobre a fina areia de ouro,
Raios de prata espargir,
Não pode amar outra terra,
Nem sob o céu de Inglaterra
Doces sorrisos sorrir.

Das cidades a princesa
Tens aqui; mas Deus, igual
Não quis dar-lhe essa lindeza
De teu e meu Portugal:
Aqui a indústria e as artes,
Além de todas as partes
A natureza sem véu;
Aqui ouro e pedrarias,
Ruas mil, mil arcarias,
Além... a terra e o céu.

Vastas serras de tijolo
Estátuas, praças sem fim
Retalham, cobrem o solo
Mas não me encantam a mim;
Na minha pátria uma aldeia,
Por noite de lua cheia
É tão bela, e tão feliz!
Amo as casinhas da serra,
Coa lua da minha terra,
Nas terras do meu país.

Eu e tu, casta deidade,
Padecemos igual dor,
Temos a mesma saudade,
Sentimos o mesmo amor;
Em Portugal o teu rosto
De riso e luz é composto;
Aqui triste e sem clarão;
Eu lá sinto-me contente,
E aqui lembrança pungente
Faz-me negro o coração.

Eia, pois, oh astro amigo,
Voltemos aos puros céus,
Leva-me, oh lua, contigo,
Preso num raio dos teus;
Voltemos ambos, voltemos
Que nem eu nem tu podemos
Aqui ser quais Deus nos fez;
Terás brilho, eu terei vida,
Eu já livre, e tu despida
Das nuvens do céu inglês.


João de Lemos


1 comentário:

Maria-Portugal disse...

saudades do meu Pai,que tanto a recitava

Quero só trazer à memória o que me dá esperança...

Hino da Restauração da Independência



A PORTUGUESA